domingo, 15 de febrero de 2009

Saudade boa

Não há tempero melhor para a vida que a saudade. Tenho recordado momentos da minha vida, os cheiros, as formas, lugares, sons, que nunca imaginei estarem tão vivos em minha memória. A saudade do Brasil está nos detalhes, numa parede que me lembra Tiradentes e outras cidadezinhas antigas, numa música que me transporta a uma fase da minha infância, numa expressão que me leva aos meus amigos, e das muitas de um vocabulário inventado, que me aproximam da minha familia. Mais que mineira, eu sou o retrato da minha família, que não sabe nem mesmo o que é sair de Minas.

É aqui que percebo a minha Juiz de Fora no meu jeito de ser, e que Minas não está no meu sotaque, vai além do meu jeito peculiar de falar, a "mineirice" está incorporada nas minhas atitudes, na minha maneira de pensar, ser, cozinhar. Cozinhar é uma excelente forma de matar as saudades, e além disso nos revela. Me descobri muito cozinhando longe de casa. Reconheci o muito da minha mãe que tenho dentro de mim. E descobri meu pai no meu trato com a gente, no meu dia dia, principalmente na rua. Me lembrei que ele me levava pra tudo que é canto e me ensinava a negociar, sem nem preceber.

Descobri que gosto da terra, do campo, da roça. Em uma ocasião, vendo um filme, surgiu uma vontade incontrolável de andar a cavalo, de sair sem rumo pela estrada, e já que não posso fazer isso em Barcelona e não faço idéia de quando voltarei a montar a cavalo, me contentei em lembrar o quanto é bom, o quanto é importante e a falta que -só agora- isso me faz. Acho que quando voltamos pra casa pisamos o mesmo chão com outras perspectivas, e tudo tem mais graça.

As distâncias têm uma utilidade imensurável em nossa vida, nos proporciona a auto-leitura, nos aproxima de quem nunca imaginamos ser tão distante, reata desafetos, nos torna compreensivos diante de atitudes que acreditávamos incompreensiveis. Falo de nossos seres mais próximos, que em um momento -por barreiras geográficas intrasponiveis- se distanciam fisicamente, e se aproximam tanto sentimentalmente que sentimos mais que saudades, sentimos o amor latente. As vezes acontece com os pais, outras com os filhos, outras com irmãos ou amigos.

A saudade une, através do pensamento. A saudade dói nesses dias frios, e faz tempo que o frio se instalou! Dói e me transporta a lugares que eu nem considerava importantes. Um bar, uma música num bar, minhas pequenas viagens, meus antigos amores, as conversas com a vó, as festas na casa da vó, meus momentos sutís e marcantes com os meus tios, e outros tantos com amigos que eu amo, os porres brutais da época de universidade, banalidades que deixam de ser banais.

Eu passei uma longa fase de insatisfação na minha cidade, de inquietação, vontade de sair, de ver e viver o mundo, ou melhor, de engolir o mundo. Dado o pontapé inicial, parece que a minha cidade é muito mais importante do que parecia, que o meu pequeno universo se tornou imenso em minha memória. Isso é fantástico, mas acho que só pode ser fantástico nessas proporções quando estamos longe. Longe eu descobri que a saudade é boa e inevitável, e que quanto mais a gente conhece outros lugares mais a gente vai sentir saudade, e que essas lembranças serão a única salvação em um momento de profunda solidão, a grande oportunidade de viajar dentro de si, de se salvar da melancolia invernal. A saudade me devolve o sorriso, me devolve os amigos, os afetos, me devolve a família, remonta meus pedaçinhos, em breves momentos que revivo dentro de mim.

domingo, 1 de febrero de 2009

Nós Mulheres

Vivo na Europa do século 21, um continente onde as mulheres são livres (na maioria dos países), conquistaram essa liberdade e são exemplo nessa luta para todas as mulheres do mundo, que ainda batalham por seus inúmeros direitos. Mulheres que decidem como serão suas vidas, que atuam em todos campos com bastante autoridade, que se relacionam sexualmente com muita liberdade seja com homens ou mulheres, e que, por mais que pareça absurdo, ainda morrem pelas pesadas mãos de seus companheiros.
Nós mulheres Brasileiras, sabemos que essa vergonhosa estatística é bastante comum no dia dia de nosso país. Revoltante, indignante, infeliz realidade. E o que más me deprime é tomar conhecimento que a violência doméstica na Europa tem somado os números ao invés de subtrair. QUE PASA?!
Existem claras diferenças entre o homem e a mulher, que nenhum movimento ou manifestação pode mudar, e uma delas é a força física. E essa diferença cruscial entre os dois sexos muitas vezes leva as mulheres a padecer pelas agressões de seus violentos "amores", ou ex-amores. Bestas humanas que diante da ausencia de sensibilidade, de sanidade, de controle emocional, diante de suas fraquesas insuperadas, vêem na violência física a solução para seus problemas sentimentais.
É inaceitável que exista machismo nos tempos atuais, que permitamos a existencia de machistas em nossas vidas, que sejamos nós machistas a ponto de permití-lo, mesmo que seja por amor. Em muitas ocasiões podemos detectar facilmente um homem machista e violento, assim como podemos detectar um homem sensível e respeitador, por suas atitudes e opiniões. Em outros casos a covardia está escondida em lugares obscuros, e se revela em um momento de descontrole.
Ha algum tempo eu convivi com um casal já bastante "debilitado", onde o marido tinha toda liberdade para fazer o que queria, sair e chegar quando lhe convinha, e a mulher era completamente dominada e submissa. O esperava todos os dias, sem sair de casa, salvo na hora de trabalhar. Acredito eu que ela esperava muito mais por um olhar ou um beijo. Até que um dia, cansada de esperar, saiu sozinha à noite, para chamar a atençao antes de qualquer outra coisa. E diante da situação, esse indivíduo, sem o minimo de equilibrio e sensibilidade se tranformou, a ponto de mudar de voz. E enquanto a massacrava moralmente, ela calava, não saia do lugar, não reagia diante daquela chuva de ameaças e palavras humilhantes. E depois desse episódio, continuou a seu lado aceitando todas as condições degradantes de um relacionamento machista. Todos nós conhecemos pelo menos um caso parecido ou talvez mais duro.
Temos que pensar até que ponto nós mulheres temos responsabilidade nesses casos. Se podemos frear tais relacionamentos, já que temos direito de escolha, se podemos nos salvar de um final trágico. Nesse mundo existem mulheres machistas, que criam seus filhos com valores machistas e que permitem atitudes dominadoras dentro de suas casas. Se é falta de informação, façamos com que essas informações cheguem onde precisam chegar. Um homem não cresce machista por si só, um menino ao longo de sua vida se basea em referências, de educação, de caráter e de comportamento, para formar sua personalidade e convicções. As referências estão dentro de casa.
Se ainda não haviamos dado conta que nós podemos mudar o pensamento de nossos filhos, irmão, pais, primos, sobrinhos, amigos e companheiros, devemos conscientizar-nos já, pois isso é fato. E por mais mirabolante que isso pareça, podemos salvar vidas, tanto dentro do nosso convivio, como fora dele, pois a violência doméstica não é um acontecimento exclusivo do terceiro mundo e países em desenvolvimento, é uma dura realidade que independe da classe social, religião ou etnia.
Transformar essas pesadas mãos em doces abraços protetores, direcionar a força física para coisas úteis, e não para atos de covardia, mostrar que machismo e masculinidade são coisas completamente diferentes, que homens sensiveis não deixam de ser masculinos, que a sensibilidade os permite dar muito mais amor, justamente o que nós precisamos.